Aquele era o ano de 1996. Estava na minha segunda série, época em que eu, estupefata, acompanhava a divisão da minha classe: os projetos-de-patricinhas dominando a mentalidade das menos favorecida$ e arrastando consigo súditos da ordem masculina. Eu apenas observava, meus oito anos não me faziam ter lá tanta consciência do que eu via.
Naquele ano, tivemos nosso primeiro contato com os bichinhos - eis que nos apresentavam as aulas práticas! Estudávamos a metamorfose dos anuros. E, como todo grupo de crianças curioso e criativo, "tia, pode trazer girino?!" e a tia: "pode, Matheus!".
Que venham os girinos! E eles vieram. Aquelas larvinhas esquisitas (que minha irmã já matou tanto, achando que fossem "micóbio, mãe!"), como que constrangidas com os olhares furtivos que lhes eram lançados pelos pirralhos durante as aulas, cresceram e (com tiroxina "em falta") viraram sapos. Sapinhos, na verdade. Coisas pretas, minúsculas, todas juntas num cubículo de aquário. Todos olhavam, admirados: "olha que bonitiiinho, tia!".
Ao lado do aquário, como o superprotetor da prole, lá estava o rei da diversão: Matheus, o proprietário dos girinos. Sim, ele era o proprietário dos girinos, não dos sapos - diziam as crianças. Começava, assim, a guerra pela posse dos anuros. Surgiram os posseiros, que escondiam alguns anfíbios no material e "home, sweet home". Outros (outras, melhor dizendo) vinham com "Matheus, me dá um sapinho desse?" e 'Theuzinho dava. Menininhas espertinhas, não?
Eu era doida pra pedir um também (sem tanto lero-lero como as outras, é claro), mas a disputa pelo espaço entre o futuro membro anfíbio da família e o membro quelônio já integrado não ia dar muito certo. Minha mãe teria um faniquito. Fiquei chupando o dedo, pois.
Mas eu tinha uma amiga chamada Letícia que conseguiu adquirir, por doação do verdadeiro proprietário, um anuro. Senti-me a perfeita conselheira de "como tratar do animal de cara feia", já que havia estudado o nosso bom livro de Ciências de trás pra frente, de frente pra trás. Ela não me deu ouvidos, sequer quis me apresentar a criaturinha (será que ela pretendia beijar o sapo e temia que eu o fizesse antes?! Oh, Deus, que imaginação!). Fiquei profundamente magoada; porém, não o demonstrei.
E a vida continuou... Até uma semana depois. O sapo da Letícia acabou morrendo. E ela me disse "por que eu não aceitei sua ajuda?" - com coisa que eu tinha dom pra veterinária! O mais estranho foi que os anfíbios morreram coletivamente. Da coleção de girinos que havia infestado minha sala e tomado conta das nossas atenções, nem unzinho sobreviveu. E aí o Matheus deixou de ser o herói dos projetos-de-patricinhas da minha sala e animaizinhos foram proibidos de entrarem no colégio. A solução da professora desconsolada foi avançar em botânica. Mas até as plantas carnívoras não foram aceitas e ficamos nas melancólicas violetas suando e pingando, abafadas dentro de um saco plástico. Começavam mal minhas aulas de Biologia...
"Sapo cururu, na beira do rio..."
(Popular)

Tiziano Ferro - Imbranato.
.:: Por Louise Gracielle, às 6:18 PM.